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Foto do escritorEliel Lima

Masculinidades: Red Pill e tribalismo masculino


O homem é aquilo que não se altera e, sobretudo, que não pode se alterar. Se ele se alterou, então é porque não era homem… 
 Pedro Ambra 


Aos caros leitores deixo claro que masculinidade/s é um assunto caro para mim, portanto, sempre quando eu achar por bem vir a escrever sobre algum fenômeno social não me privarei, afinal de contas, está na hora dessas masculinidades se responsabilizarem pelo grupo ao qual pertencem. No fim, esse texto é sobre a implicância dos homens em seu contexto sócio-histórico. 


Há algumas semanas temos ouvido falar bastante do movimento Red Pill (RP) por uma aparição que se tornou viral - termo interessante para pensar tanto o potencial propagador, quanto o potencial adoecedor - do escritor do manual Red Pill Brasil em um podcast onde o mesmo deturpa a intencionalidade de uma mulher através de conjecturas tão próprias e problemáticas, típicas do seu movimento. RP entende o movimento feminista como equivalente ao machismo, relega as mulheres espaços de privilegios ignorando a realidade material concreta e que pode ser tão facilmente posta a prova através dos dados que temos dispostos pelos orgãos de segurança publica, de saude e demais orgãos. Esse grupo de homens (em sua maioria)  se entende como escolhidos para supostamente enxergar aquilo que ninguém mais vê; ser despertado de um sono profundo com uma pílula que traz a verdadeira realidade, clara referência ao filme Matrix. Somado a isso, um fator interessantíssimo se aliena do conhecimento dos adeptos desse grupo: Matrix é sobre uma metáfora Trans.


Lilly Wachowski, uma das criadoras do filme, confirmou que o mesmo é uma metáfora trans. Falou isso em um vídeo para o Netflix Film Club em 2020. Em 2016 a mesma veio a público se afirmar enquanto pessoa trans, inclusive o próprio filme deveria flertar mais abertamente sobre as analogias, entretanto não encontraram espaço social para iniciar esse debate na época. Para além do completo desconhecimento desse fator por parte dos adeptos do movimento RP - e caso seja um fator conhecido a discrepância lógica se torna ainda mais absurda -  pensar esse movimento sem contextualizar o fato de ser um grupo montado por homens e para homens é minar o que se apresenta como tutano reflexivo.


Outro movimento que possui uma similaridade absurda e que compartilha todos os aspectos com o RP é o tribalismo masculino (ou masculinismo), o grupo ficou conhecido mundialmente, por assim dizer, com a invasão do capitólio onde um de seus integrantes se tornou símbolo da invasão enquanto trajava vestes de  viking. O movimento adotou essa vestimenta (e outras com simbologias parecidas) como uma espécie de elogio aos primórdios da humanidade. Segundo o que pude perceber, esse movimento tem uma prática mais radical do que o grupo anterior, mas sua forma de funcionamento lógica é idêntica: Discurso contra feministas carregado de misoginia, chegando a incentivar o cárcere e a morte de algumas mulheres enquanto alimentam laços homoafetivos/sexuais pulsantes; discurso contra a população LGBTQIAP+; e a exaltação por uma virilidade perdida a tempos atrás.  


Apesar de nos exacerbar diante das discrepâncias lógicas é importante relembrar meu último texto onde exponho que toda racionalidade moderna caminha pautada na moralidade que a institui e retroalimenta. Sendo assim, é tão somente na medida em que se desmascara e suprassume a razão dominante que ela própria se torna racional (ADORNO, 2021) e um ponto que se apresenta de maneira nevrálgica na construção da psique brasileira é o eurocentrismo/imperialismo americano. Trago esse conceito a tona por um motivo claro, ambos os movimentos encontram sua centralidade no nosso país através da importação dos detritos racionais da américa do norte, aqui, nos aproximamos de Rita Segato (2021) que diz que o eurocentramento é entendido como um modo distorcido e que distorce a produção de sentido, a explicação e o conhecimento. 


A dessexualização do sexo 


Uma das máximas desse grupo embebedada da misoginia só permite que esses homens vejam as mulheres como reprodutoras, eles sendo caçadores precisam predar, copular e seguir seu rumo, fato curioso é que alguns de seus membros se relacionam frequentemente com outros homens sem que se entendam com uma sexualidade diferente da heterossexual.


Isso revela nada menos do que uma dessexualização do proprio sexo. O prazer capturado ou permitido com sorriso complacente não é mais prazer algum; psicanalistas não teriam dificuldade em demonstrar que em todo o empreendimento sexual padronizado e controlado por monopólios com roupas padronizadas [...] os prazeres preliminar e substitutivo sobrepujam o prazer propriamente dito. A neutralização do sexo, descrito no desaparecimento da grande paixão, descolore-o até onde ele pensa se satisfazer de forma desinibida. (ADORNO, 2015)

A psicanálise também elucida que essa estrutura patológica grupal encontra na rigidez performática um alento para a desordem constituinte, Adorno dirá que a dessexualização da sexualidade deveria ser compreendida psicodinamicamente como a forma do sexo genital, em que este mesmo se transforma em poder de impor tabus e inibe as pulsões parciais ou as elimina. Mas quando um homem “come” ou se deixa comer por outro homem com o entendimento de que sua sexualidade permanece heterocentrada fala quase que de um lugar antropofagico, onde devorar essa masculinidade pela via desse sexo que não é sexo - é rito de consuma-ação - torna-se quase como a fonte da juventude (tão cara para esse grupo em muitos aspectos). Essa feição sacrossanta da consumação viril encontra em Adorno (2015) eco que nos ajuda a entender seu funcionamento: “a genitalidade totalmente purificada das pulsões parciais, desprezadas como perversas, é pobre, embotada, por assim dizer, comprimida a um ponto.”


Podemos ainda através desses pressupostos elaborar outra via para a compreensão do fenômeno, onde essa libido sexual encontraria na repulsa, ódio e vilipêndio de mulheres e LGBTQIP+ um lugar não só que denote suas próprias questões sexuais mal resolvidas como também um espaço para exercê-la quase que psicoticamente. Vera Iaconelli para a CNN diz que as amizades ali se estabelecem, os laços sociais, os afetivos e também o culto ao ódio, sendo este último um afeto muito poderoso. “Dá muito prazer se juntar para odiar um terceiro externo, uma sensação de pertencimento a um grupo.” e acrescento as falas dela, um destino para essa tensão que se estabeleceu ao longo do tempo pela via da impossibilidade da manifestação plena da própria sexualidade. 


Em uma sociedade não livre, a liberdade sexual é tão pouco concebível quanto qualquer outra. O sexo é pasteurizado como uma variante do esporte; o que nele é diferente permanece um ponto alergico. (ADORNO, 2015) 

Outro aspecto muito difundido pela psicanálise e pode ser observado pelo escritor da RP-Br é a fácil acepção de elementos bélicos nesses grupos. Ao se comunicar com uma mulher que fez um vídeo satirizando o líder do grupo ele a ameaça “processo ou bala”, como quem quer dizer “Respeite a minha pseudo potência ou eu pegarei nesse falo-arma para me fazer potente” e sua potência só pode ser circunscrita através da eliminação desse Outro tão temido. 


Virilidade: o signo no qual o homem se encontra estagnado 


Freud já nos deixou claro que as massas e grupos possibilitam um rebaixamento da intelectualidade e permite que pulsões agressivas tenham uma via concreta nas manifestações comportamentais, entretanto, esses grupos se encontram no eixo da masculinidade como supracitado, o que significa dizer que existe “algo de vazio” que precisa ser preenchido através da confecção dessa irmandade. Denominaremos esse vazio de virilidade. 


Não me convém desmembrar a história da masculinidade nesse texto para compreendermos a origem dessa virilidade, mas algo que precisa ser destacado é que esse sentimento pouco melancólico de um retorno a um passado gloriosos onde os homens não seriam embarreirados pelas “leis” podem ser vistos na formulação de totem e tabu (Freud). Outra coisa que se faz notável dentro desse escopo é a facilidade com que esses grupos entram em acordos cognitivos com os ideários ultra-direitistas de caráter fascista, porém essa também não me é uma ligação estranha tendo em vista o funcionamento psíquico desse tipo de masculinidade com fortes traços estereotípicos. Citando Adorno, "pessoas cuja cristalização de um eu autônomo fracassou sob a pressão de vivências infantis, tendem especialmente a ideologias totalitárias.” 


Outro fato que permite a má elaboração desse tipo de masculinidade é o conceito universalizante do homem que o põe como ente já terminado, que não tem possibilidades de reelaboração ou transformação, afinal “todos os homens são iguais”. Tal ponto nos leva a pensar na impossibilidade de refletir a partir da implicância, ou seja, do envolvimento afetivo-cognitivo desses homens em relação aos seus comportamentos. Ainda que recentemente alguns espaços estejam abertos para falar sobre o que se entende em “ser homem", um movimento reativo é apropriado por uma instância conservadora e propagado com o intuito de desmotivar o diálogo e continuar a manutenção dos privilégios oriundos da não implicância. 


Pode-se notar, todavia, uma angústia crescente no cenário, angústia essa formulada no gene desses grupos masculinos mal trabalhados: A virilidade como fantasma. 


Curioso é relembrarmos a caracterologia do padrão de vestimenta/identidade desses grupos: O incentivo do cultivo da barba e dos pelos; a liderança sem possibilidade de alternância de poder nas relações estabelecidas; o culto ao corpo jovem e forte; a necessidade constante da aprovação dos outros em relação à própria situação financeira (homem de sucesso); e por último - mas não só - uma tentativa de encontrar através de símbolos de vestimenta o homem sem barreira, o vinking, o indigena, o greco-romano e por ai vai… 


Pautado em Pedro Ambra no seu livro “O que é um homem? psicanálise e história da masculinidade no ocidente” podemos esclarecer que esses signos supracitados possui na constituição masculina uma orientação que denuncia uma falta própria do homem (principalmente o moderno). 

O corpo do homem assombrado por esse mito viril deve ser treinado e forçado a partir de práticas que visariam a resgatar um ideal cuja ilusão de concretude funcionaria apenas na condição de nunca ser satisfeito. [...] O homem moderno, não apenas está submetido, mas cria ativamente discursos sobre a representação ausente da sua virilidade, cujo ameaça é, justamente, o excesso de civilização. [...] Essa interpenetrancia dinâmica entre homem potente do passado e homem civilizado enfraquecido só é possível por meio da criação e do percurso que a figura do primitivo teve no pensamento ocidental. (AMBRA, 2021)

Como já foi dito, a forma como a racionalidade se estrutura no contorno da masculinidade universalizante proporciona o transbordo e o enxugo de tal grupo, de forma dinâmica esse traço de masculinidade seria a representação mais concreta das discordâncias discrepantes da psique masculina que se força a transformação de um tipo de funcionamento, o atrativo retorno a um passado que não se conhece mas se fantasia denota uma estrutura social que escamoteia o eu na construção do si mesmo, fazendo emergir as ambivalências das relações, desejos e entendimentos de sujeito. 


Para o homem moderno, portanto, sua existência como tal estará garantida apenas se o ‘eu não penso’ for verdadeiro, o que nos parece conduzir justamente para esse contexto fora da civilização - ou, mais precisamente, fora da civilização a partir de uma concepção cartesiana - em que tanto o pensar-se a si era vetado quanto o pensar no sentido intransitivo. Ser homem é estar fora da possibilidade de pensamento, ou, em outras palavras, ser viril é não ser civilizado, Por outro lado, se garantido o polo da fantasia masculina ‘eu penso’, a existência viril fica impossibilitada: Ser civilizado é não ser viril. (AMBRA, 2021)












Referências: 

Matrix é uma metáfora trans: 

Tribalismo Masculino: 

Como coaches da 'redpill' atraem adeptos na esteira da crise da masculinidade:

Crítica da colonialidade em oito ensaios - Rita Segato 

10 lições sobre Adorno - Theodor Adorno 

Ensaio sobre psicologia social e psicanalise - Theodor Adorno 

O que é um homem? - Pedro Ambra 

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