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Foto do escritorEliel Lima

A subnotificação da violência sexual contra crianças e adolescentes é mais cruel para os meninos



Quando ainda estava cursando psicologia uma das questões finais que me incomodaram foi “o que escrever para o meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso)?” então algo se iluminou em mim e pensei junto com uma amiga “vamos escrever sobre a subnotificação da violência sexual contra as crianças e adolescentes!”. Uma ideia que inicialmente se mostrou incrível pela possibilidade de trabalho também causou grande angustia, tendo em vista o cenário que se mostrava em breves pesquisas, o que se encontra é uma população abandonada, cujos aparelhos estatais de garantia de proteção e direitos não conseguem estender seus braços para os acolher, sobretudo, o que mais me inquietou foi um dado, ou melhor, a falta dele nesse cenário desolador “Onde estão os dados sobre a violência sexual contra os meninos?”


Antes de começarmos a exposição do texto é importante salientar que eu não proponho uma resposta a essa pergunta, antes de tudo, busco através da literatura hipóteses que nos orientem à caminhos de tencionamento com essa reflexão.


Irei tomar de empréstimo a ideia de Azevedo e Guerra (1998, apud Santos; Ippolito, 2020, p.33) sobre violência doméstica para iniciar esse debate pelo fato de que cerca de 76,5% dos estupros contra crianças e adolescentes acontecem dentro de casa. Sobre os autores da violência: 82,5% dos casos são conhecidos das vítimas, estando eles distribuídos em 40,8% pais ou padrastos; 37,2% irmãos, primos ou outro parente e 8,7% avós (dados do Anuário Brasileiro de Segurança Publica). Os autores conceituam essa violência como:


“Todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra criança e/ ou adolescente que, sendo capaz de causar à vítima dor ou dano de natureza física, sexual e/ou psicológica, implica, de um lado, uma transgressão do poder/dever de proteção do adulto. De outro, leva à coisificação da infância, isto é, a uma negação do direito que crianças e adolescentes têm de serem tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento.”

Munido desse conceito integro a ele o significado de subnotificação, bem... Da maneira mais clara possível subnotificação é o não ato da denuncia, a recusa, negligencia ou toda ação que inviabilize que essa criança/adolescente seja acolhida pelo sistema de garantia de direitos gerando dados para o sistema, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2021), “a última pesquisa nacional de vitimização estimou que cerca de 7,5% das vítimas de violência sexual notificam a polícia, mas a pesquisa já tem uma década”.

Para finalizarmos essa exposição numérica, por assim dizer, e começarmos outra análise, coloco aqui outros dois dados do anuário. O primeiro mostra que os autores do crime são em 95,4% das vezes homens e o segundo que o número de registros das denúncias aumentam conforme a menina vai crescendo, já quando essa população são meninos, o número de registros aumentam até os 6 anos (com pico entre 4 e 6) e depois começa um processo de queda.


Bem, incendiando esse cenário altamente inflamável colocarei como disparador de ideias uma pesquisa realizada com 170 homens cuja quais cerca de mais de um terço relatou ter sofrido violência sexual durante a infância (a pesquisa constará nas referencias).

Um dos apontamentos que esse estudo faz nos orienta para o entendimento da violência/abuso sexual contra meninos sendo interpretado como parte da iniciação sexual dos mesmos, vale lembrar que em dado período do desenvolvimento jogos sexuais são comuns, porém me aprofundo na estrutura dessas subjetividades grupais alertando que esses jogos podem ser sentidos como violência, seja por que é feito por meninos mais velhos com meninos mais novos e então a questão hierárquica/de poder se torna presente ou a própria questão do pertencimento ao grupo “homem” uma vez que recusando esses jogos o individuo pode ser excluído.


Para além desses jogos – mas ainda nesse contexto de iniciação – lembremo-nos que algumas violências transgeracionais (passado ao longo das gerações) são normalizadas (ou somente muito recentemente problematizadas), como o pai que leva o seu filho nas casas de prostituição ou mais contemporaneamente podemos perceber que temos a exposição desses meninos a materiais pornográficos de forma latente, seja pela facilidade de acesso ou ao próprio incentivo por parte do grupo “homem”. Ainda podemos falar sobre como os adolescentes têm sua virilidade questionada caso se recuse a “ficar” com uma menina/mulher e novamente a tensão tão crua entre respeitar a si mesmo e pertencer a um grupo colabora para decisões equivocadas que marcarão no psiquismo aquela cena violenta.


Outro fator não menos importante que se relaciona com esses citados é a facilidade e o apoio grupal com que a categoria homem aceita violências perpetradas por mulheres mais velhas. Estando essas figuras num lugar de “doar experiências” o homem/criança/adolescente que se nega a aceitar esse contato tem imediatamente sua masculinidade sendo colocada a prova.


Um ponto que merece destaque nessa discussão é o fato das denúncias realizadas ao longo do crescimento das meninas aumentarem, seja pelo fato de acessarem a linguagem e poderem contar o que aconteceu, como pelo fato de compreenderem o que está acontecendo – pois muitas crianças não entendem a violência por não terem artifícios cognitivo-simbólicos para isso – em detrimento da queda brusca das denúncias feita por meninos na mesma óptica.


Primeiramente, existe subnotificação dessa natureza de violência no sexo masculino, devido ao prejulgamento que surge quanto à identidade sexual após o menino ter sido abusado. [...] Reforça-se que, apesar da maior quantidade de notificações entre as meninas, os abusos sexuais contra meninos se constituem um fator oculto, altamente subnotificado, muito mais do que nas crianças do sexo feminino, pelo medo da reação dos pais e de uma possível ruptura familiar, bem como a reação do agressor. São consequências do machismo estrutural ainda impregnado na sociedade contemporânea, o que tem grande implicação no desenvolvimento psicossexual do futuro adolescente e adulto do sexo masculino. (BARCELLOS, GÓES, SILVA, SOUZA, CAMILO e GOULART, 2021)

Como fator histórico ligado a compreensão dos corpos dos meninos a pesquisa cita que o estupro contra essa categoria só foi considerada crime pelo nosso código penal em 2009, pois até então o estupro de vulnerável era voltado para penetração pênis – vagina. Isso ressalta a tremenda violência e irrelevância para o qual esses corpos eram relegados. Sobretudo as ameaças e agressões físicas perpetradas pelo agressor são mais severas quando suas vítimas são meninos, tornando a tomada de decisão para uma possível denúncia potencialmente mais angustiante. Como destaca a pesquisa “padrões hegemônicos de masculinidades, disseminados nas relações de poder, que defendem a figura de homem forte, capaz de suportar dores sem se queixar, autônomo, sem fraquezas, racional, centrado e orgulhoso da sua heterossexualidade, muitas vezes prejudicam os meninos vítimas de violência sexual.”


Por ultimo (mas nem tão próximo de um começo) trago um dado relevantissimo da pesquisa supracitada: homens negros e gays constituem a maior parte das vitimas relatadas, ainda mais, é proposta uma reflexão sobre a possibilidade dessas violências ocorrem como forma de punição diante de uma criança afeminada, tornando-os uma população altamente vulnerável diante dessa violência especifica onde o corpo e o poder são objetos de manipulação. Aqui, gênero e sexualidade (e suas dinâmicas de produção e reprodução) combinam-se num jogo perverso que demarca um lugar de violência, exclusão e vilipêndio das subjetividades capturadas.

O que nos resta como conclusão é que mais pesquisas sejam feitas dentro deste cenário para responder às diversas questões que são levantadas, sobretudo, necessitamos de mais empenho e debates acerca do tema e ainda proposta de diálogos cada vez mais pulsantes com as masculinidades descentralizadas da academia, ou seja, propostas de espaços de diálogos em todos os lugares, núcleos de homens sendo cooptados para falar sobre “o que é ser homem” e o que dessas vivências pode-se produzir de benéfico.




Eliel Lima

Psicólogo - CRP 05/70226

• Interessado em decolonialidade, relações étnico-raciais, processo de autoritarismo/formação de massa e estudos de cultura.

Contato:








Referencias

Fórum Brasileiro de Segurança Publica de 2022

Fórum Brasileiro de Segurança Publica de 2021

VIOLÊNCIA/ABUSO SEXUAL CONTRA MENINOS: MASCULINIDADES E SILENCIAMENTOS EM DEBATE

Atendimento psicanalítico a crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual.

Violência contra crianças: descrição dos casos em município da baixada litorânea do Rio de Janeiro


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